I - TRICOLINO

(Pseudocolopteryx sclateri)

O tricolino Pseudocolopteryx sclateri (Oustalet, 1892) é uma ave de pequeno porte, um dos integrantes da família Tyrannidae e que normalmente encontra-se associado à vegetação paludícola e de banhados. Trata-se de avezinha de pequeno tamanho, medindo comumente cerca de 9,5 cm (http://www.wikiaves.com.br/tricolino) apresentando coloração cinzenta próxima a muitos tiranídeos, com larga porção de amarelo em sua plumagem.

O tricolino tem uma distribuição vasta no Brasil, mas não é ave abundante nos locais onde ocorre. Recentemente novos registros foram feitos, mostrando que a área de distribuição dessa ave é maior que a anotada anteriormente.

Antes pensava-se que a distribuição do tricolino era restrita ao Brasil Oriental, do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. Porém, em anos recentes a espécie foi encontrada também no interior do país (p.ex. Minas Gerais em Lagoa da Prata, nas vegetações baixas próximas ao Rio São Francisco) e outros registros bem longe da área citada originalmente, como no Maranhão (2014) e Mato Grosso do Sul (2010).

Mesmo que considerado pela IUCN com status de conservação “pouco preocupante”, é importante salientar que não se trata de ave comum. Seu habitat, as vegetações baixas próximas a alagados e banhados, vem sendo suprimido em muitas localidades.

Esse fato é uma ameaça para o futuro da espécie. O que por si só já justifica o estudo do comportamento dessa ave, bem como medidas para proteção dos banhados e alagados.

Este artigo visa apresentar dados e detalhes observados no acompanhamento de um ninho da espécie localizado no município de Vila Velha, Estado do Espírito Santo. A região é uma área de restinga com alguns remanescentes florestais com solo típico desses cordões arenosos do Sudeste do Brasil. Tratando-se da baixada litorânea, existem muitos locais alagados com vegetação da taboa (Typha domingensis).

Alguns casais foram observados habitando esses brejos de taboas. Esse estudo acompanhou desde o local escolhido pelo casal para construção do ninho, até a independência dos filhotes quando abandonam o ninho. Dessa forma, dividimos em partes específicas para melhor compreensão do estudo.

II – A CONSTRUÇÃO DO NINHO

O ninho objeto desse estudo, foi localizado no taboal do lugar conhecido como Vale Encantado no município de Vila Velha no estado do Espírito Santo. Foi localizado no meio da vegetação das taboas Typha domingensis, a uma altura de 30 cm do solo. Na data de 19/07/2014 vimos a fêmea coletando material para o ninho. Esse material, geralmente seco, eram folhas de gramíneas e de arbustos encontrados no lugar. Em 26/07/2014, uma semana depois, o ninho já estava recebendo acabamento e nesse dia fotografamos a fêmea levando material de cola para o ninho. Após a confecção da pequena câmara do ninho, notamos que a fêmea colava o material de forma a que as paredes ficassem bem unidas. Observamos que apesar do trabalho de confecção do ninho ser prerrogativa da fêmea, o macho estava sempre por perto.

No dia 27 de julho fotografamos o ninho já pronto, antes da postura. O aspecto do ninho era de solidez e bem apoiado em uma das folhas da taboa caída na horizontal. O trabalho de colagem ficou muito bom, com o ninho adquirindo um aspecto harmônico e compacto, bem diferente de alguns ninhos de tiranídeos, famosos pelo desleixo na aparência, com pontas soltas dos ramos do ninho. No ninho do tricolino essas “pontas soltas” dos raminhos do ninho ficaram coladas e bem organizadas. O resultado é que o ninho ganhou um aspecto parecido aos ninhos de beija-flores, mas tendo a câmara oológica aberta e confortável. No dia 28/07/2014, observamos a postura do primeiro ovo. Nesse dia, após a postura, a fêmea saiu para procurar alimento antes de iniciar a incubação.

III – A POSTURA E INCUBAÇÃO

No dia 28 de julho de 2014, houve a postura do primeiro ovo no ninho. No dia 30 de julho, 48 horas depois, o segundo ovo foi colocado. A incubação dos ovos teve início logo após a postura do primeiro ovo. Nessa ocasião, antes de iniciar a tarefa de incubar o primeiro ovo, a fêmea afastou-se em busca de alimento. Voltando depois e iniciando a incubação. Durante o período de choco observamos que a ave ficou bem encaixada, firme dentro do pequeno ninho, mantendo apenas a cauda fora dele, propiciando uma imagem da ave de “rabo arrebitado” bem encaixada no pequeno ninho. Comparando-se o tamanho médio da ave, 9,5 cm, presumimos que o diâmetro do ninho do tricolino é de 5 a 5,5 cm. Ressaltamos que essa medida foi estimada pela análise das imagens, uma vez que em nossa pesquisa procuramos não estressar a ave, evitando o manuseio dos ovos e do ninho.

A eclosão dos ovos aconteceu do dia 13 para o dia 14 de agosto. Portanto, pode-se dizer que o período de incubação demorou cerca de 16 dias. Observamos apenas a fêmea realizando o trabalho de incubação. Os ovos do tricolino são de cor branca com leve tonalidade rosácea. Observamos a ave incubando na posição característica, sobre os ovos e com a cauda sobrando para fora do ninho. Nessas ocasiões a ave dava mostras de se manter sempre atenta, virando os olhos para as várias direções. Talvez desconfiada com a presença de observadores por perto. Um detalhe interessante nesse ninho que acompanhamos é que sua altura no meio do taboal ficou a apenas cerca de 30 cm da água. O que nos leva a temer em casos de nidificação em épocas muito chuvosas.

Durante a nidificação observamos a presença próxima de alguns predadores. Corujas buraqueiras, (Athene cunicularia) estavam a uma pequena distância no areal. O gavião do banhado (Circus buffoni) periodicamente sobrevoava o local dos pântanos.

Em 14/08/2014 observamos o nascimento dos filhotes. Muito pequeninos, foi difícil distingui-los no fundo do ninho. A cor dos filhotes era a mesma do fundo da câmara oológica. No dia seguinte, porém, já tinham crescido e abriam o bico pedindo comida.

IV- ALIMENTAÇÃO DOS FILHOTES

No dia 19/08/2014 observamos o filhote abrindo o bico pedindo comida já alcançando quase a altura da câmara oológica.

Observamos sempre o mesmo indivíduo, a fêmea, levando comida para os filhotes. Nessas ocasiões sempre se mantinha empoleirada na borda do ninho e colocava a comida diretamente dentro da garganta vermelha dos filhotes! Muitas vezes tratavam-se de pequenos insetos que não conseguimos identificar, mas em outras ocasiões levava pequenas lagartas verdes diretamente aos bicos dos ninhegos. Quando os filhotes estavam ainda muito pequenos, em várias ocasiões após a alimentação, a fêmea cobria-os no ninho. Observamos também que a fêmea após a eclosão dos ovos retirou as cascas dos ovos do ninho cuidadosamente, levando-as para longe.

Observamos que a dieta é variada. Muitas vezes a ave trazia no bico formigas, grilos, borboletas e libélulas para dar aos filhotes. No caso de uma borboleta, ela foi triturada com o bico e colocada diretamente na garganta do filhote. No dia 24/08/2014 observamos que os filhotes já possuíam as penugens da cabeça em formação. No dia 26 de agosto os filhotes já estavam bem crescidos ao final da tarde. Amontoavam-se no ninho e quase sempre um deles ficava por cima.

V- CUIDADOS PARENTAIS

Os cuidados parentais foram exercidos por ambos os pais, mas a fêmea tinha mais disponibilidade. Inclusive quando o macho estava, esse se afastava com a proximidade da fêmea. Detalhe interessante nos cuidados parentais sobre a limpeza do ninho é com a retirada das fezes dos ninhegos.

Com os filhotes ainda bem pequenos suas fezes eram retiradas com o bico pelo adulto, imediatamente após serem excretadas. Nessas ocasiões a ave produzia um minúsculo saco branco assemelhado a uma pupa de formigas que era retirado pelo adulto e levado para longe.

No dia 27 de agosto os filhotes já não ficavam dentro do ninho. Ficaram empoleirados na sua beirada, muitas vezes junto a um dos pais. Estavam já bem crescidos, mas com as retrizes bem curtinhas, ainda enfatizando o aspecto de filhotes. No dia 28 de agosto, cerca de 30 dias após o início da incubação, os filhotes saíram em definitivo do ninho. Primeiro ficavam nas beiradas e depois se aventuraram nas taboas próximas.

Sempre se esgueirando, dando a sensação de cair a qualquer momento. O curioso é que o aspecto curto de suas caudas chamava bastante atenção, indicando serem bebês recém-saídos do ninho. Nessa ocasião os pais estão sempre por perto, ajudando e educando os filhotes. No dia 29 já os vimos arriscando voos curtos, mas supervisionados pelos pais.

DISCUSSÃO:

O tricolino é uma pequena ave paludícola pertencente à família Tyrannidae, antes considerada como habitante dos banhados litorâneos, mas depois descoberta nos alagados do Rio São Francisco em Minas Gerais. Habitante do varjão aberto, segundo SICK, na área pesquisada a espécie pode ser considerada como comum, porém não se encontra em todas as formações brejosas do lugar. Não sabemos ainda porque falta na maioria dos brejos de Typha domingensis do litoral do Espírito Santo. Por exemplo, até esta data ainda não foi registrada no Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, área protegida litorânea com extensos brejos com formações de taboais da Typha domingensis. O nome inglês para o tricolino é Crested doradito, segundo Ridgely & Tudor. Essa ave varia de incomum a raras em seus habitats. Segundo esses autores, são mais fáceis de serem encontrados em locais de mangues e pântanos.

 São geralmente pouco conspícuos, solitários ou em pares. Em nossas observações nunca localizamos essas aves em mangues, mas sim na vegetação paludosa próxima a mangues ou de cursos d’água. A classificação dessa espécie pela IUCN como “Pouco preocupante” quanto a seu estado de conservação é o que observamos em campo. Não se trata de espécie abundante, mas frequente em determinados locais específicos de seu habitat. Esse fato, mais uma vez mostra a carência de mais estudos sobre nossas aves, principalmente seus comportamentos e modos de vida! Tal fato pode ser ilustrado pelo pouco conhecimento que as populações próximas possuem sobre essa pequena ave.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RIDGELY, Robert S.; TUDOR, Guy. THE BIRDS OF SOUTH AMERICA VOL. II: The Suboscine passerines, University of Texas, 1994.

SICK, Helmut. ORNITOLOGIA BRASILEIRA, Rio de Janeiro, 2001, Editora Nova Fronteira.

http://www.wikiaves.com.br/wiki/tricolino [capturado em 25/11/2019, 18:55 hs.]

Uma resposta

  1. Este é o primeiro artigo AQUI publicado, que toda certeza, servirá de incentivo aos nossos membros, façam as suas pesquisas cidadã ou cientificas e as publiquem aqui no Site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *